Na interpretação das Escrituras. A interpretação bíblica divide-se em antes e depois de Calvino. Antes de Calvino o método de interpretação da Bíblia era, essencialmente, a alegorização. É verdade que Lutero chegou a expressar seu incômodo e descontentamento com a hermenêutica alegórica medieval, porém, em Calvino, a ênfase na interpretação plena, direta e natural das Escrituras foi ainda maior e profunda.
Em seu comentário de 2Coríntios 3.6, Calvino explica porque rejeitou o método alegórico de interpretação em favor do sentido literal, gramático-histórico do texto: “Esta passagem [2Co 3.6] tem sido distorcida e erroneamente interpretada, primeiro por Orígenes, e depois por outros, e todos eles têm contribuído para o surgimento do mais danoso erro de que as Escrituras são não só inúteis, mas também danosas, caso não sejam alegorizadas. Este erro tem sido a fonte de muitos males. Não só abriu o caminho para a corrupção do significado natural das Escrituras, como também suscitou a ousadia no campo da alegorização como a principal virtude exegética”.[1]
No entanto, mesmo preferindo uma leitura literal da Bíblia, Calvino entendia que determinados textos seriam mais bem interpretados como sendo figurados e simbólicos. Um exemplo são as passagens referentes à ceia do Senhor. João Calvino rejeitou a interpretação literal da expressão “isto é o meu corpo; isto é o meu sangue”.
Nos ofícios de Cristo. Berkhof revela que “Calvino foi o primeiro a reconhecer a importância de distinguir os três ofícios do Mediador, chamando a atenção para este assunto em um capítulo completo de suas Institutas”.[2]
Segundo Calvino, para que a fé encontre em Jesus Cristo firme matéria de salvação e descanse confiante nele, devemos ter presente o princípio de que o ofício e cargo que lhe designou o Pai ao enviá-lo ao mundo, constam de três partes; posto que tem sido enviado como Profeta, Sacerdote e Rei. Entretanto, pouco nos serviria conhecer esses títulos se não compreendêssemos, ao mesmo tempo, a finalidade e uso dos mesmos.[3]
Calvino vai nos dizer, por conseguinte, que a profecia de Jesus Cristo é o cumprimento de todas as profecias bíblicas, de maneira que todo aquele que, não satisfeito com o evangelho pretende acrescentar algo a ele, anula sua autoridade. Cristo reina sobre sua igreja em geral e sobre seus fiéis em particular, conferindo-lhes os dons do Espírito Santo. Seu reino é espiritual e eterno. No ofício sacerdotal de Jesus sua morte e intercessão nos trazem confiança e paz, de modo que podemos nos oferecer a Deus como sacrifício vivo.[4]
Na doutrina do Espírito Santo. A originalidade de Calvino, quanto ao Espírito Santo, não significa que ninguém, antes dele, não houvesse escrito sobre a terceira pessoa da Trindade. Agostinho, a propósito, publicou no início do século V uma obra monumental chamada Da Trinidade.
Calvino foi o primeiro a sistematizar de forma clara a doutrina bíblica sobre o Espírito Santo, relacionando-a aos demais temas e áreas da teologia, como regeneração, santificação, os meios de graça, o conhecimento de Deus, entre outros.[5] B. B. Warfield, em nota introdutória ao livro de Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, diz que “Nos amplos departamentos doutrinários sobre ‘a graça comum’, ‘regeneração’ e ‘o testemunho do Espírito’ do livro terceiro das Institutas, Calvino foi o primeiro a desenvolver a doutrina da obra do Espírito Santo, e a dar a toda a doutrina do Espírito Santo uma formulação sistemática, fazendo dela uma possessão inalienável da igreja de Deus”.[6] Valdeci Santos complementa dizendo que a doutrina sobre "o Espírito Santo na vida dos crentes” não é vista antes de Calvino.[7]
Além disso, de acordo com Augustus Nicodemus Lopes, “Calvino resgatou alguns aspectos da doutrina do Espírito Santo que estavam soterrados debaixo da teologia medieval da igreja católica romana, como por exemplo, a relação entre a Palavra e o Espírito”.[8]
Antes e depois de Calvino poucos conseguiram ser tão claros, simples e bíblicos na teologia do Espírito Santo.
[1] João Calvino, 2Coríntios. São Paulo: Edições Parácletos, 1995, p. 69.
[2] Louis Berkhof, Teologia Sistemática. 7ª ed. espanhola. Grand Rapids: T.E.L.L., 1987, p. 423.
[3] Cf. Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana. Vol. 1. Países Bajos: Felire, 1986, II.xv.1.
[4] Idem, II.xv.1-6.
[5] Cf. Augustus Nicodemus Lopes, Calvino, o Teólogo do Espírito Santo. São Paulo: PES, S/d, p. 4,5.
[6] Kuyper, The Work of the Holy Spirit. Chattanooga: AMG Publishers, 1995, xxxiv.
[7] Valdeci Santos, Cosmovisão Reformada: Fundamentos Teóricos Aplicados ao Ministério. Módulo D. Min. São Paulo: CPAJ, 2005.
[8] Lopes, p. 5
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